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O apelo da arte e a rudeza das pessoas que não conseguem mais sentir.

Já queria ter postado isso antes. Aconteceu domingo. Último dia da exposição de Anish Kapoor. Anúncio no jornal, recorde de público, flanelinhas na porta do CCBB. Eu já tinha ido, mas fui de novo. Sabia uma parte do que me esperava, mas não a coisa toda.

Muita gente pra começar. Gente não seria o problema, considerando-se o esperado poder de sedução e mobilização da mídia, aliado a um pensamento otimista de que as pessoas estão se interessando mais por arte. Tolinha...

Foi justamente das gentes que surgiu essa observação de abismo. Falavam alto. Eram invisíveis, com exceção de si mesmos, porque se posicionavam perante as obras como se não houvesse amanhã ou alguém do lado, ou alguém atrás. Colocavam os assuntos em dia em qualquer lugar, inclusive na saída - já pequena - de cada sala. Faziam questão de soltar suas crianças que, sem orientação ou limite, brincavam com uma peça de arte polida durante nove meses, deixando as marcas de seus lindos dedinhos engordurados.

Quanta solidão. Acompanhada de muitas pessoas.

Barulho, esbarrão, pressa, falta de respeito, desassossego, tumulto, pânico.
Respirações em suspenso, o último minuto antes do apocalipse.

De um lado, obras majestosas, imponentes, delicadas e surpreendentes, gritavam um convite. Do outro, a multidão em turba, praguejava de volta sua incapacidade de sentir qualquer coisa. Esvaziamento das neuroses cotidianas, passeio de domingo. O CCBB é grande. As esculturas também. Havia espaço de sobra. Só não havia espaço pro silêncio, pra contemplação, pra um olhar, pra uma pausa, pra reflexão. Aliás, o reflexo – presente na maioria das esculturas por causa dos materiais usados e seu exaustivo polimento – insistia em reproduzir um eco. Mantra maldito. Gente tentando preencher o vazio. A qualquer custo, mas com a condição de não ouvir de volta seu próprio barulho disfarçado de ser.

Rudeza, brutalidade, anestesia.

Eu conheço isso, já vi. Nos sinais, no trânsito, nas filas, nas caras tristes do metrô, no centro da cidade na hora do almoço, nas manchetes de jornal, nos shoppings, nas calçadas apinhadas de miséria, nas super-camionetes-blindadas-enormes-com-vidro-preto-e-vontade-de-correr. Tá em tudo e tá, mais do que tudo, dentro. Fantasma gosmento. Alguém te faz uma cara feia no banco e você retribui, como manda a boa educação.

O que fazer com a arte ou o que fazer com a gente que não consegue mais apreciar a arte ou o que fazer com a gente.

Encontrar um lugar que não seja o comum? Sei lá. Surtar, talvez. Sentar e chorar, fazer uma coisa bem louca, ou pra variar uma coisa bem careta. Cumprimentar seu vizinho.

Não quero tirar aqui uma onda de menina-educada-que-sabe-se-comportar-num-museu. Isso é fácil. Até porque sou educada e, não que eu saiba me comportar, mas cacete, eu fui ali ver e olhar algo que me interessa. Eu não fui ali colocar minha vida social em dia e nem cumprir as obrigações culturais docemente sugeridas pela Revista Programa. A maioria dessas pessoas foi depois pra um restaurante qualquer, lotado também, conversar exaustivamente sobre arte e se empanturrar de comida e bebida, porque ninguém é de ferro. Chiquérrimo. O consumo da arte. Você come, digere e depois vai ao banheiro se livrar dela porque fim de semana que vem tem outra exposição e você precisa de espaço na mente para ver novas coisas. Tudo tão novo e tão rápido. Basta dar um passadinha, dar uma olhadinha e pronto! Você já tá liberado e pode ir finalmente tomar aquele choppinho, com aquela galera super hype, e vai estar preparado porque agora você conhece a obra do fulano. Parabéns!

Não tenho como terminar isso porque só me restaram muitas perguntas. Mas isso já é um começo.

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