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Meu codinome é Dráuzio. Uso esse nome nas horas vagas, geralmente quando tô tentando ser. O mais engraçado é que não fui eu quem quis nem quem escolheu esse codinome. Na verdade ele me foi dado ou talvez imposto em circunstâncias totalmente inesperadas. Certo dia, entre amigos, após o trabalho, a caminho de um chopp, um telefone toca. “Oi amor, tudo bem? Aqui tudo bem também, acabamos a reunião agorinha mesmo e vamos comer uma pizza. Eu, Thiago, Maurício e Dráuzio. Tá, quando chegar em casa te ligo. Um beijo, te amo.” O fato é que o único que não estava lá era Dráuzio e eu não fui citada na lista do amigo, o que então significava que Dráuzio era eu. O carro ficou em silêncio e o grupo imerso na dúvida entre zoar o amigo ou fingir que ninguém tinha percebido o estranho detalhe. Aquele amigo não combinava com aquele texto, não parecia ele. É então que, neste exato interstício temporal, algo acontece, um vácuo, uma possibilidade escondida nas franjas da isenção. Bem, se eu não sou eu, eu sou outra pessoa e, já que sou outra pessoa, posso ser qualquer coisa. Posso ser Dráuzio. O Dráuzio original da história não importa mais, sem saber acaba de perder sua identidade para um novo Dráuzio. Uma não pessoa que todos podemos usar para ser. Mas era eu que tava ali e foi pra mim esse momento de privilégio. Fui eleita. Não sei nem como, na minha opinião eu estava tão ocupada em ser eu que nunca achei que pudesse ser escolhida pra ser outra pessoa. Mas a vida oferece surpresas inusitadas e agora toda vez que não quero ser eu posso simplesmente ser Dráuzio. Reflito sobre as infindáveis possibilidades porque ser Dráuzio te permite fazer as coisas exatamente como você gostaria de fazer e não faz. A dupla personalidade do amigo já não importava mais. Se ele, em algum momento deixou de ser ele, isso não me afetava porque eu, naquela altura, também não precisava mais ser eu e podia escolher simplesmente não ligar pra aquele ato que me excluiu de ser eu, mas me incluiu em poder ser qualquer um. Bem, desde esse dia tenho alternado entre eu e Dráuzio ao meu bel prazer. Nas horas vagas, como disse, tenho me empenhado em ser Dráuzio pra poder ser eu. Mas, o mais importante de tudo é que ninguém consegue distinguir entre um e outro e por isso você nunca sabe quem é quem. E nem mesmo se Dráuzio existe.

Comentários

Anônimo disse…
Fui eu que cometi essa?

hehehe. que merda. Desculpe dráuzio, dri, lauro, lia, mauro, mia, paulo, pia...

Podia eu dizer que estava bêbado, podia eu dizer que mudo ao falar no telefone, mas não posso dizer. Porque não tenho certeza, nem consciência de nenhuma das duas coisas.

Volte a ser dri, eu me sinto menos mal quando erro com ela, do que quando erro com drauzio, que eu não conheço.

:-)

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preciso de um tanto de realidade pra que eu possa me agarrar feito uma tabuinha de salvação de mentira e não simplesmente escorrer como agora entre as frestas e as pernas do que eu quero ser e do que efetivamente está guardado pra mim porque tem gente guardando pra você lugares que você não quer e você nem sabe disso. e uma das piores coisas é quando querem negar sua existência, fingir que você não existe, te isolar num lugar em que você não incomode o outro com suas dores e desejos. e daqui a pouco a mesma ação que te isolou aparece na sua frente em forma de mão querendo te comprar com uma migalha de existência e você tem fome mas sabe que agora é preciso recusar. esquálido o esqueleto faminto dança pra disfarçar a leveza e chora lágrimas escondidas onde ninguém é capaz de visitar. essas águas são feitas de tempo e corroem os horrores para além de algum lugar em que talvez seja possível regar. a violência é pura e bruta e brota de um sorriso com a facilidade com que quer te presentea...
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