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Acordei com uma estranha e ela era uma sensação.

De que algo diferente tinha acontecido durante a noite, mas não sabia exatamente o que. Eu sonhei? Não lembro. Tudo muito vago, até que zapt, desliza na mente uma breve lembrança.

Acordo sobressaltada. Gritos. Que horas são? Tô sonhando? Gritos de novo. Que porra é essa? Vozes, palavrões, risos. Jogo de futebol? Claro, como não percebi antes. Tudo esclarecido. Tentar dormir de novo.

Vórtex. Pedaços esparsos da memória diurna giram freneticamente. Futebol porra nenhuma. Era noite de paredão do Big Brother! Um amigo até tinha me chamado a atenção pro fato, mas aquilo me soou quase como: olha, tô fazendo um estudo e descobri que a formiga Cleo pássa hoje, do lado esquerdo da calçada, bem na hora do seu jantar. Um fenômeno. OK amigo, entendo. Mas o fato é que eu realmente não alcancei a importância do aviso do meu amigo. Segundo ele, era uma força que devia ser vista. Não sem o devido cuidado. Ela, a comunicação de massa, em todo seu esplendor, fazendo demonstrações explícitas de sua força e vigor. Velha Rainha onipresente. E eu a subestimá-la. Como se, desprezando, pudesse fazê-la desaparecer. E ela, magnânima, se resume a me fitar, desprezando pacientemente meu desprezo para enfim ressurgir ainda mais poderosa, materializada e concreta. Jovem, nova e repaginada. Bem alimentada de gozo e desejo.

Fiquei pensando também em George Orwell e tomei a liberdade de imaginá-lo ao meu lado, com os cotovelos apoiados na janela, observando o prédio em frente, este também um grande paredão, interrompido por janelas com televisões ligadas, outra espécie de vitrine. O que será que ele diria? Eu, ansiosa que sou, por certo me adiantaria, explicando a piada: “George, o negócio é o seguinte: essas pessoas são alguns dos milhares de espectadores do Big Brother que trabalham o dia inteiro, voltam pra casa, e, no tempo que tem livre, reúnem os amigos para… viver a vida dos outros. Uma espécie de droguinha, George: você sente milhares de emoções, mas sai intacto, são e salvo, com sua integridade física totalmente garantida. Tudo isso inspirado no seu livro, mas deixa pra lá George,
vamos lá embaixo olhar as estrelas.”


Big Brother. Não dá pra tolerar. Não dá pra achar engraçado, engraçadinho e muito menos “interessante”. Não dá pra considerar apenas ingênuas as análises em torno das características e promessas da “nova linguagem”, tão “coerente com o nosso tempo”. Sem concessões. Big Brother é lixo. Do tipo que dura milhares de anos intacto no fundo do mar. Do tipo que não recicla.
Do tipo que te apodrece aos poucos.


O brilho é eterno numa mente sem lembrança.

Me perdoem os desativados ou desavisados,
vocês podem desconsiderar que existem.




Comentários

Morganna disse…
yeah. acabou. ainda bem, né?

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preciso de um tanto de realidade pra que eu possa me agarrar feito uma tabuinha de salvação de mentira e não simplesmente escorrer como agora entre as frestas e as pernas do que eu quero ser e do que efetivamente está guardado pra mim porque tem gente guardando pra você lugares que você não quer e você nem sabe disso. e uma das piores coisas é quando querem negar sua existência, fingir que você não existe, te isolar num lugar em que você não incomode o outro com suas dores e desejos. e daqui a pouco a mesma ação que te isolou aparece na sua frente em forma de mão querendo te comprar com uma migalha de existência e você tem fome mas sabe que agora é preciso recusar. esquálido o esqueleto faminto dança pra disfarçar a leveza e chora lágrimas escondidas onde ninguém é capaz de visitar. essas águas são feitas de tempo e corroem os horrores para além de algum lugar em que talvez seja possível regar. a violência é pura e bruta e brota de um sorriso com a facilidade com que quer te presentea...
pra tudo quanto é lado é uma porrada de gente querendo ser compreendida ao mesmo tempo que não tá nem um pouco afim de gastar o tempo necessário pra compreender ninguém, nem mesmo alguém que se acha importante demais pra ser visto, percebido por você, que já tá de saco suficientemente cheio de não ser compreendido por ninguém e por isso precisa antes de mais nada que te compreendam e é isso aí e foda-se porque só aí, eu vou poder te olhar. ter tempo de te olhar. você aí seu babaca, pode olhar pra mim agora. a ordem da compreensão é minha. o mundo é cão. e vai te dizer: quem é você? aí você vai renascer. esquece o cara que tava falando com você. senta. respira. fuma até um cigarro. fuma dois. e vai perceber que a parada que mais quer evitar no mundo é a rigidez e o medo. o medo do caralho que enfeia as vidas, as veias e as pessoas. o medo que machuca muita gente de morte. quero um tombo bem dado e sangrante. que doa de viver. que machuque de tesão. ...