tentou um dia falar todas as suas verdades e se dissolveu.
liberou-as todas de uma vez, assim de impulso, sem nem um pensamento que ao menos lhe chegasse antes. não economizou, não se assustou, não chorou. ficou só e só foi ficando e também transparente. até já tinha imaginado, por via das dúvidas, que isso pudesse acontecer, mas soube pelo correio que nada, nem ninguém a deteria, ao menos não naquele exato instante, o que tornava a questão um simples ato de fazer o que talvez fizesse com que tudo, finalmente, enfim, fosse feito. afinal, eram verdades que não pertenciam a todos, mas algumas sempre estiveram lá e sobre isso não havia o menor sinal de dúvida. à essa altura, já sabia também, que pra ser executado, o movimento deveria ser radical, feito de um só gesto, sem hesitação, nem medo. pensava muito em libertar as verdades, ao menos as suas, do peso inexplicável de explicar o mundo. isso feito, o mundo seria finalmente sem explicação ou, na pior das hipóteses, as verdades não precisariam mais se dar a este trabalho. abriu ao máximo, máximo mesmo, a boca ao mesmo tempo que deixou de engolir. para fora era um movimento só. no seu sonho viu ainda décadas, séculos, planetas inteiros cheios de verdades brutalizadas, mal tratadas, abusadas. há muito já se sabia que o mundo não tinha explicação, mas soube, através de outra verdade, que ninguém tinha coragem de falar.
enquanto via, encantada, as verdades voando pra fora da sua cabeça, em jorro, através da boca, mas agora também dos ouvidos, observou que, no percurso, muitas se transformavam em outras, outras simplesmente sumiam e algumas se davam os braços, mesmo sendo muito diferentes. ao menos no seu mundo onde faziam questão de não guardar nada que não fosse caoticamente razoável. e isso foi o que ela disse, ou se sentiu dizendo, no intervalo de saída entre uma verdade e outra, que de forma oposta ao nascimento das pipocas, saem primeiro aos borbotões, em alta velocidade e depois cada vez mais devagar, até que a última lhe avise que saiu, momento exato em que invertem seu movimento e passam, de volta, a entrar em você, só que de outro jeito. porque já tinha percebido que cada mundo tem um jeito e, não faz muito tempo, as regras eram exaustivamente estudadas pra funcionar somente por breves períodos, no qual se podia ver todo seu resplendor.
nos lugares em que não eram úteis, as regras passavam muito pouco tempo.
sem nunca ter um início ou até mesmo a leve indicação de fim, foi observando a dança das verdades que flutuavam soltas em direção à rua, às árvores, mas principalmente em direção às pessoas. soube então o quanto as verdades se apegam e viu que geralmente é aos seres humanos. mas o que também viu em seguida foi que, por algum estranho motivo, quase ninguém percebia suas verdades em movimento, donde concluíam sempre que, na verdade, cada um tem a sua própria verdade e que, a não ser em estado de exceção, elas não devem se misturar umas às outras. que besteira, pensou, verdades gostam de si mesmas, mesmo que sejam outras. mas ela, do ponto de vista em que estava, podia perceber tudo muito mais claramente e descobriu que o ângulo aplicado a cada verdade fazia de fato seu rosto parecer diferente. sobre isso não tinha mais dúvidas. é inevitável e é verdade que as verdades passeiam, e pode até ser sobre si mesmas, porque dessa forma desenvolvem os interstícios que, por sua vez, são coisas que as fazem rir. aprendeu assim a respeitar e admirar toda a diversidade de verdades, mesmo as que não são, e chegou à conclusão que, livres, elas ficam muito mais vezes e muito mais bonitas. fato que, quem quer que se encontre com elas, é imediatamente obrigado a aceitar. depois de aceitar, estava escrito que era possível brincar. mas esse escrito durava apenas alguns segundos o que exigia necessariamente, não exatamente ler, mas realmente querer, olhar.
no instante seguinte, logo após se dissolver, ela gritou. era pra quem quisesse ouvir ou até mesmo falar, todas as novas e verdadeiras verdades que agora todos poderiam deixar de saber sobre a verdade. mas vendo-a assim, tão dissolvida, as pessoas acharam por bem se achar de bem. e de bem, no caso específico de dissolvimento, seria, geralmente, ignorar o dissolvido e ao mesmo tempo o acusar.
os homens chegam facilmente às conclusões, uma vez que costumam guardá-las nos bolsos e algumas vezes nas gavetas.
ninguém estava interessado em nenhuma verdade que não fosse a sua. para esses, ela ainda soube, o mundo deveria ser só e somente, a sua própria explicação.
liberou-as todas de uma vez, assim de impulso, sem nem um pensamento que ao menos lhe chegasse antes. não economizou, não se assustou, não chorou. ficou só e só foi ficando e também transparente. até já tinha imaginado, por via das dúvidas, que isso pudesse acontecer, mas soube pelo correio que nada, nem ninguém a deteria, ao menos não naquele exato instante, o que tornava a questão um simples ato de fazer o que talvez fizesse com que tudo, finalmente, enfim, fosse feito. afinal, eram verdades que não pertenciam a todos, mas algumas sempre estiveram lá e sobre isso não havia o menor sinal de dúvida. à essa altura, já sabia também, que pra ser executado, o movimento deveria ser radical, feito de um só gesto, sem hesitação, nem medo. pensava muito em libertar as verdades, ao menos as suas, do peso inexplicável de explicar o mundo. isso feito, o mundo seria finalmente sem explicação ou, na pior das hipóteses, as verdades não precisariam mais se dar a este trabalho. abriu ao máximo, máximo mesmo, a boca ao mesmo tempo que deixou de engolir. para fora era um movimento só. no seu sonho viu ainda décadas, séculos, planetas inteiros cheios de verdades brutalizadas, mal tratadas, abusadas. há muito já se sabia que o mundo não tinha explicação, mas soube, através de outra verdade, que ninguém tinha coragem de falar.
enquanto via, encantada, as verdades voando pra fora da sua cabeça, em jorro, através da boca, mas agora também dos ouvidos, observou que, no percurso, muitas se transformavam em outras, outras simplesmente sumiam e algumas se davam os braços, mesmo sendo muito diferentes. ao menos no seu mundo onde faziam questão de não guardar nada que não fosse caoticamente razoável. e isso foi o que ela disse, ou se sentiu dizendo, no intervalo de saída entre uma verdade e outra, que de forma oposta ao nascimento das pipocas, saem primeiro aos borbotões, em alta velocidade e depois cada vez mais devagar, até que a última lhe avise que saiu, momento exato em que invertem seu movimento e passam, de volta, a entrar em você, só que de outro jeito. porque já tinha percebido que cada mundo tem um jeito e, não faz muito tempo, as regras eram exaustivamente estudadas pra funcionar somente por breves períodos, no qual se podia ver todo seu resplendor.
nos lugares em que não eram úteis, as regras passavam muito pouco tempo.
sem nunca ter um início ou até mesmo a leve indicação de fim, foi observando a dança das verdades que flutuavam soltas em direção à rua, às árvores, mas principalmente em direção às pessoas. soube então o quanto as verdades se apegam e viu que geralmente é aos seres humanos. mas o que também viu em seguida foi que, por algum estranho motivo, quase ninguém percebia suas verdades em movimento, donde concluíam sempre que, na verdade, cada um tem a sua própria verdade e que, a não ser em estado de exceção, elas não devem se misturar umas às outras. que besteira, pensou, verdades gostam de si mesmas, mesmo que sejam outras. mas ela, do ponto de vista em que estava, podia perceber tudo muito mais claramente e descobriu que o ângulo aplicado a cada verdade fazia de fato seu rosto parecer diferente. sobre isso não tinha mais dúvidas. é inevitável e é verdade que as verdades passeiam, e pode até ser sobre si mesmas, porque dessa forma desenvolvem os interstícios que, por sua vez, são coisas que as fazem rir. aprendeu assim a respeitar e admirar toda a diversidade de verdades, mesmo as que não são, e chegou à conclusão que, livres, elas ficam muito mais vezes e muito mais bonitas. fato que, quem quer que se encontre com elas, é imediatamente obrigado a aceitar. depois de aceitar, estava escrito que era possível brincar. mas esse escrito durava apenas alguns segundos o que exigia necessariamente, não exatamente ler, mas realmente querer, olhar.
no instante seguinte, logo após se dissolver, ela gritou. era pra quem quisesse ouvir ou até mesmo falar, todas as novas e verdadeiras verdades que agora todos poderiam deixar de saber sobre a verdade. mas vendo-a assim, tão dissolvida, as pessoas acharam por bem se achar de bem. e de bem, no caso específico de dissolvimento, seria, geralmente, ignorar o dissolvido e ao mesmo tempo o acusar.
os homens chegam facilmente às conclusões, uma vez que costumam guardá-las nos bolsos e algumas vezes nas gavetas.
ninguém estava interessado em nenhuma verdade que não fosse a sua. para esses, ela ainda soube, o mundo deveria ser só e somente, a sua própria explicação.
Comentários
Obrigado por abrir meus olhos e me ajudar a ver que eu não sou o único nessa estória. Mesmo que não dê para ter certeza de muitas coisas...