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tinha o caráter forjado a tédio. já tinha sido artista, mas disso se lembrava muito pouco, tinha sido há muito tempo. algo que o lembrava a juventude e só. agora gostava mesmo era de ostentar seu cabelo branco a la rc e de se sentar atrás de sua grande mesa de mogno. o momento que mais saboreava era quando as pessoas entravam em sua sala e o viam naquela posição magnânima, soberana. passava dias inteiros esperando por eles e depois passava dias inteiros relembrando sua performance, os olhares, as reações previsíveis, os gestos inseguros da disfarçada sede de seduzir. o desejo sexual tinha sido substituído pelo desejo de poder, mas quanto a isso não se preocupava mais, tinha feito uma boa troca. o que lhe dava tesão mesmo era sucesso, mármore, whisky, puta, convite, vip, artista. tinha claramente passado pro outro lado e isso o agradava, o fazia sentir mais forte. olhava aqueles wannabes todos com um profundo desprezo, mas isso nunca ia admitir.

ela sabia que podia se meter em encrenca entrando ali assim e falando aquelas coisas, só que o que ele não sabia é que pra ela não tinha mais importância.

importância era justamente o que dava força pra ele. ele se sentia muito importante e era cercado por pessoas que também se achavam muito importantes e que por sua vez estavam cercadas de pessoas que queriam muito ser importantes, mas essas eram quase sempre desprezadas.

se você desistisse dela, ele virava nada.

tinha um expediente minucioso que funcionava. foi aprendendo aos poucos, através dos anos, silenciosamente observando a dança das outras vaidades que se exibiam na sua frente. pra isso, abriu mão da sua por muito tempo, mas só pra poder gozar melhor. só pra gozar esse exato momento. e agora gozava, só que nunca por muito tempo. ah, o tempo, ele suspirava. se ao menos eu pudesse comprá-lo. o prazer. precisava sempre do prazer e agora a intervalos menores. evitava receber aqueles por quem pagava. evitava mesmo mencionar seus nomes e sua existência. também não sabia fazer elogios. nunca soube. e também gostava disso. por causa da sua posição e da sua estratégia, arriscava um de vez em quando, mas tinha tanto medo de ser flagrado que acabava formulando sentenças complicadas. alguns podiam ver, eram poucos, mas podiam ver. viam que quando elogiava alguém, uma gosma verde e putrefata se desprendia de sua orelha. os cabelos a la rc serviam pra isso. lembrar da sua juventude, do tempo que era artista, e disfarçar a tal gosma verde que saía quando elogiava. mas agora já quase não fazia mais isso. elogiar. e também nem era preciso. tanta merda nesse mundo, vou elogiar o que. tanta falta de talento, um bando de bostinha querendo brilhar.

a frieza dele vinha da secura, a dela vinha do sangue.

ela não tinha mais nada a perder. ele agora tinha. ele ainda não sabia.

continuou vendendo e comprando. estava cada vez melhor nisso. tinha que admitir, nunca imaginou que ficaria tão rico. não precisava fazer mais nada e nem mesmo a sua equipe incompetente conseguia lhe deter. não se livrava dela porque ainda se sentia bem vendo seu esforço inútil, uma eterna e estúpida vontade de agradar, de ser promovido, de ganhar dinheiro. seus sócios estavam ficando mais velhos, talvez morressem logo, talvez ele agora tomasse conta de tudo… a próxima coisa que compraria seria uma história, certamente estavam precisando de novas histórias por ali e ele, pra variar, seria o único a atentar pra isso e, naturalmente, providenciaria tudo. nunca contava com ninguém, era muito enfadonho. preferia mandar e pronto, limpo e indolor. preciso comprar uma boa história… essa secretária medíocre, vive me interrompendo em momentos importantes, imbecil, é por isso que é secretária, mas é gostosa, muito gostosa. é bom ter secretária gostosa, todo mundo te inveja. vou chamar ela aqui e enfiar a mão dentro da calcinha, sentir sua buceta quente, sua puta. no fundo o que você quer é dinheiro, não é? poder, não é? eu tenho tudo isso. entra. oi, quem? ah, tava marcada? ok, tá certo, pode mandar a moça entrar, obrigada minha querida e por favor não me interrompe, ok, só se eu pedir. ah, providencia pra mim a lista de contatos dos melhores…

Comentários

belino disse…
Oi Adriana, tudo bem?

Sou leitor do seu blog e até já trocamos algumas palavras por comentários.

Dia desses eu estava lendo alguns textos mais antigos seus e, em um deles, encontrei alguns sentidos que me ajudaram bastante a terminar uma música que fala sobre a distância das pessoas e a falta de amor nos dias de hoje.

a música (modéstia a parte) ficou maravilhosa e, como acabei usando alguns termos que você escreveu, gostaria de enviar-lhe e pedir a sua autorização para tocá-la em meu projeto musical...

queria enviar a letra por email para ti... pra onde mando? gostaria de gravá-la, mesmo que apenas em voz e violão, para te mostrar o resultado final.

aguardo seu retorno.

bjos!
Adoro o que você escreve!

Posso pôr em meu blog um dos seus posts?

Queria homenagear o "porra da vida" e mais algum da fase anterior a 2008.

Parabéns!
Jeferson Cardoso disse…
Adriana, acabo de lhe conhecer. Prazer. Andava de blog em blog e vim parar nesse seu texto. Senti um Machado no início, senti um Marcelo Rubens Paiva quando desbocou, senti você muito forte em meio a essa bela construção literária, gostei. Quero deixar meu blog, gostaria de uma visita sua. Se ocorrer deixe um comentário http://jefhcardoso.blogspot.com/

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