meu nome é vanda. sou esteta e também vítima, atividade que passei a apreciar ao longo dos anos, curtidos sempre com muita dor. uma dor gostosa que no início machucava muito, revoltava, dava raiva, mas que foi se transformando, afinal sou uma pessoa que sabe aprender com os erros e amadureci, então a dor que sinto agora dói, mas ao mesmo tempo justifica e você sabe, nesse mundo, se você conseguir justificar alguma coisa, tá meio caminho andado. e nesses últimos anos, modéstia a parte, fiz isso muito bem.
sou esteta e persigo o belo, o bom, o bem, o equilíbrio, a leveza, a sofisticação, o bom gosto e o refinado. gosto de coisas arrumadas, por que não? também gosto das coisas caras, por que não? por isso gosto de pessoas ricas, por que não? de acordo com a delicadeza da minha alma, o mundo deveria ser um lugar muito mais elegante. muito mais suave.
o texto devia ser sempre retificado pela esquerda e o quadro pelo meio. judith, sua mulinha, quantas vezes já não te falei pra colocar a bandeja de frutas no centro? judith, pega uma aguinha pra mim querida? faz esse favor. judith, meu anjo eu não sei o que faria sem você.
quantas vezes já chorei com você. judith.
sempre tive talento e imaginação fértil, desde pequena, mesmo nas condições mais adversas. quantas vidas, quantos projetos, você não teria condições de imaginar. você não tem idéia das coisas que crio. mentalmente. por isso tenho muita fome, muita sede, mas também muito medo. muito medo mesmo. um medo paralisante. exponencial. que cresce em oposição à dor, a cada ano um pouquinho, insidiosamente, assaltando a madrugada, assaltando a qualquer momento, minando, cansando, rasgando principalmente quando alguma coisa muda, principalmente quando perco o controle. preciso manter o controle. só isso. respira. relaxa. controla.
todo mundo tem muito medo, eu não preciso ser a primeira a ter coragem. aliás, não é bem assim e não é mesmo. quem disse que eu não tenho coragem? olha a minha vida, olha minha calça, olha tudo que passei. isso não é sinal de coragem? tô cansada, tô exausta, por favor colabora comigo. já passei por coisa demais. quanta coragem a de me botar contra a parede, me expor pros outros, me questionar, questionar minhas decisões. quem é você? e que direito você tem?
olha só: em vez de vanda eu podia ter chamado sueli, cláudia, rosa, maria ou até um nome de puta. por que não? que seja. como será que eu seria? seria ótimo. daria vazão pra sentimentos estranhos, inadequados, torturantes e angustiantes. tem que ser forte. aprendi assim. tô cansada de segurar tanto as pontas de tanta gente. preciso de um refresco. preciso de indulgência. alta indulgência. autoindulgência. me deixa sentir pena de mim, porra. e se isso fosse assim, e se aquilo fosse assado. e se, e muitos “e ses” depois. vou comer doce, muito doce, vou fazer ginástica, muita ginástica, vou fazer dieta, mas hoje não. maquiagem, ver filme, estudar, ler, se informar. e respeito. muito respeito. muito importante é ter respeito. dignidade. Aprendi na carne, muito cedo. eu sei que eu falo isso toda hora, mas é muito importante ressaltar que tudo começou cedo, muito cedo.
adultos cansados. casa de vila, falta de dinheiro. medo de ladrão. sozinha em casa. pátio pequeno. ausência de amigas. ausência. a cidade em que nasci. meu pai precisava ganhar a vida. boa garota, tinha se saído bem. aguentar. aguentar. era preciso suportar. um dia tudo vai mudar e você terá, ou será (?) tudo que você sempre quis. e como quis.
não fiz tudo que queria porque não foi possível. isso é o que acontece com pessoas como eu, reais. a vida taí e te convoca sem pedir licença. olha só o meu caso.
se eu fosse sueli, seria tudo que sempre quis. como quis.
escrevo histórias secretas com pseudônimos vibrantes e na pele de matilde, trepo, trepo e gozo, gozo. na tua cara. com a tua cara. como valentina como, de tudo, não engordo, bebo e fumo. como nina, sou poeta como lourdes.
o detalhe é que nem sempre escrevo. sonho. no banho devaneio no mercado. sala de espera, engarrafamento, banco, praça. a minha liberdade é onde meu pensamento vai. amanhã escrevo. tenho muita dificuldade em começar as coisas, mas depois que começo. começo.
sueli era chique, roberta, puta, rita, poderosa. faziam o que queriam, mas sempre o que queriam. sofriam, mas mantinham. e pensavam: mulheres assim só nas revistas.
ela sabe sobre o photoshop, se mantém atualizada, então pra isso serve a ficção.
vítimas não precisam tomar decisões.
ficou indignada, mas engoliu em seco. era boa nisso. administar conflitos, seu psícólogo dizia. dizia. dizia. e dizia.
vítimas não precisam tomar decisões porque não é você que tá sentindo e vivendo o que eu vivo, seu merdinha. eu tive que abandonar muitas coisas e acho que tô dando o melhor de mim e também acho que tô fazendo isso muito bem. eu poderia ter sido muitas coisas. não foi por falta de esforço ou trabalho, mas as circuntâncias não permitiram, entendeu? paciência. e veja bem, eu a-d-o-r-o minha vida. sou muito, muito feliz mesmo.
silvana me disse que ficar sozinha é horrível. eu não quero ficar sozinha. eu aguento qualquer coisa, mas não fico sozinha. minha especialidade é tapar o sol com a peneira. silvana me disse que tapar o sol com a peneira não é uma coisa boa. não é uma qualidade. eu não imaginava isso. não tinha idéia. levei um susto. tive que raciocinar todas as vezes que tapei o sol com a peneira, achando bom, achando ruim dessa vez pra entender o que a silvana quer dizer. silvana é recalcada. reprimida. é minha amiga, mas tem esse defeito. aliás tem vários. melhor parar por aqui. deixa quieto. ela não faz idéia do que é tapar o sol com a peneira. ela nunca passou pelo que eu passei.
que, de uma vez por todas, as coisas sejam do meu jeito.
a sueli saberia disso, com certeza. e teria me dito.
meu nome é vanda e ao menos eu tenho uma casa com jardim.
preciso vomitar carla.
a parte mal digerida que ela expõe ao mundo todas as manhãs.
quanta merda não se faz em nome do amor.
uma merda perfumada, nesse caso, matéria processada.
Comentários
Adriana, você encanta.
[Mesmo que esta não seja sua intenção].