lembrei que já fui uma abelha americana aos 8 ou 9 anos, mais ou menos. hello, my name is bumble bee. num curso de inglês que minha mãe inventou pra crianças menores que eu, ainda não alfabetizadas. eu era alfabetizada numa língua muito minha e sabia falar inglês fluente porque morei nos estados unidos da américa dos 5 aos 7, enquanto meu pai ia pra escola universidade dele, um lugar que não tinha hora do recreio, e eu andava portando um casaco com detalhes de pele sintética de raposa no pescoço e uma coroa de princesa que tenho até hoje. antes de me transformar em bumble bee, vestia meu traje abelha preto e amarelo, deixava minha mãe me maquiar, contava até dez e entrava em cena. a aula passava como eu: voando, brincando e falando inglês com as crianças. que não entendiam nada de inglês, mas gostavam de brincar com a abelha e em seus próprios dialetos, um pra cada uma, aos poucos iam entendendo alguma coisa daquela vida falada em estranho. nunca produzi mel, gravei fita didática em estúdio profissional no riodejaneirocapital e recebia salário em cheque. um dos meninos gostava de se vestir de mulher. eu também gostava do meu traje. e gostava de brincar e gostava da sensação de ter um trabalho e gostava de poder voltar a ser eu mesma depois de ter sido abelha. e também de receber aquele cheque. não tenho a menor ideia do que fiz com esse dinheiro. desconfio que comprei selos que eu colecionava e comprava na butique de roupa de mulher que também vendia selos. nunca entendi porque.
preciso de um tanto de realidade pra que eu possa me agarrar feito uma tabuinha de salvação de mentira e não simplesmente escorrer como agora entre as frestas e as pernas do que eu quero ser e do que efetivamente está guardado pra mim porque tem gente guardando pra você lugares que você não quer e você nem sabe disso. e uma das piores coisas é quando querem negar sua existência, fingir que você não existe, te isolar num lugar em que você não incomode o outro com suas dores e desejos. e daqui a pouco a mesma ação que te isolou aparece na sua frente em forma de mão querendo te comprar com uma migalha de existência e você tem fome mas sabe que agora é preciso recusar. esquálido o esqueleto faminto dança pra disfarçar a leveza e chora lágrimas escondidas onde ninguém é capaz de visitar. essas águas são feitas de tempo e corroem os horrores para além de algum lugar em que talvez seja possível regar. a violência é pura e bruta e brota de um sorriso com a facilidade com que quer te presentea...
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