Pular para o conteúdo principal

17 horas. 14 graus em lisboa. 28 em angra dos reis. 16 em sevilha. 9 em agerola. 23 em montevideo. 14 em veneza. 5 em nova york. o que lucía, com acento no i e sotaque de barcelona, mais gostava de fazer era viajar. qualquer modalidade de viagem. a pé, de ônibus, barco, avião, espiritual, de ácido, de bicicleta, interestadual, extraterrestre, pra dentro, pra fora. qualquer uma. por isso também amava aeroportos. a ponto de ir trabalhar lá, num dos piores empregos que tivera na vida: vendedora de freeshop, nos dias em que não é garçonete da tasca ou do bistrô. adorava ver os rostos, um pra cada pessoa no mundo, e são muitos bilhões delas! se assombrava com isso. o aeroporto contribuía com esse sentimento e alimentava ainda mais outro: o deslumbre pelo movimento. lucía quase nunca parava e gostava de ver tudo se mexer. árvores, carros, lesmas, até as pedras tinham movimento. estava sempre entre um ponto e outro e nesse estado se mantinha até que parava e constatava que a viagem tinha finalmente acontecido. de a para b e depois de b para a: era na volta, precisamente em a, que sentia a onda bater. por causa disso e de muitas outras coisas, lucía foi se tornando uma fanática por determinados aplicativos, principalmente os de localização, mapas, metereologia e hospedagem. assim como os de viagens de forma geral. uma necessidade de posicionamento, de construir em 3D tudo aquilo que pensava desconhecer. cruzava dados e distâncias como ninguém. latitudes, ruas, estados de espírito, metros quadrados, sotaques, direções do vento, tudo servia ao seu propósito. porque ir para ela era simplesmente estar lá. lucía resistia e existia numa forma dupla e razoavelmente estável, que lhe parecia adequada e a salvava de todo o resto que acontecia quando não estava em deslocamento. suspensa até o limite, pendurada entre o mediterrâneo, o metrô, berlim, a tasca, o aeroporto, positano, a bicicleta, lisboa à noite. longos passeios a pé pela street. aeroportos são lugares de passagem, deveria se lembrar. torre de babel. sempre gostou das cidades que tem lâmpadas amarelas. esse foi um dos critérios da sua escolha. lucía, com acento no i e sotaque de barcelona, reforça essa frase pra que nunca se esqueçam de pronunciar seu nome corretamente. lucía não conseguia não reparar em como aeromoças e comissários tinham uma pele de papel. também admirava sua qualidade de sorrir e puxar malas com rodinhas. consultou o aplicativo de metereologia. em lisboa fazia agora 16 graus, já era noite. naquele dia lucía ficou boa da alergia na pele do dedo mindinho da mão direita assim: sem saber de nada. gostava de fotografar, quase tudo. e nunca mostrar pra ninguém. era uma prova pra si mesma de que tinha vivido aquilo, de que esteve ali. porque senão achava muitas vezes que estava louca. mas só estava sozinha.

***

terminal 1, portão B. o dermatologista carrega uma mala média, roxa, e uma mochila preta nas costas. o dermatologista amava a itália e principalmente roma porque, ao contrário, formava a palavra amor. mi piace parlare italiano. novos nomes pra novas coisas. as perebas são geralmente causadas por um distúrbio emocional. estava com os nervos à cor da pele.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

preciso de um tanto de realidade pra que eu possa me agarrar feito uma tabuinha de salvação de mentira e não simplesmente escorrer como agora entre as frestas e as pernas do que eu quero ser e do que efetivamente está guardado pra mim porque tem gente guardando pra você lugares que você não quer e você nem sabe disso. e uma das piores coisas é quando querem negar sua existência, fingir que você não existe, te isolar num lugar em que você não incomode o outro com suas dores e desejos. e daqui a pouco a mesma ação que te isolou aparece na sua frente em forma de mão querendo te comprar com uma migalha de existência e você tem fome mas sabe que agora é preciso recusar. esquálido o esqueleto faminto dança pra disfarçar a leveza e chora lágrimas escondidas onde ninguém é capaz de visitar. essas águas são feitas de tempo e corroem os horrores para além de algum lugar em que talvez seja possível regar. a violência é pura e bruta e brota de um sorriso com a facilidade com que quer te presentea...
pra tudo quanto é lado é uma porrada de gente querendo ser compreendida ao mesmo tempo que não tá nem um pouco afim de gastar o tempo necessário pra compreender ninguém, nem mesmo alguém que se acha importante demais pra ser visto, percebido por você, que já tá de saco suficientemente cheio de não ser compreendido por ninguém e por isso precisa antes de mais nada que te compreendam e é isso aí e foda-se porque só aí, eu vou poder te olhar. ter tempo de te olhar. você aí seu babaca, pode olhar pra mim agora. a ordem da compreensão é minha. o mundo é cão. e vai te dizer: quem é você? aí você vai renascer. esquece o cara que tava falando com você. senta. respira. fuma até um cigarro. fuma dois. e vai perceber que a parada que mais quer evitar no mundo é a rigidez e o medo. o medo do caralho que enfeia as vidas, as veias e as pessoas. o medo que machuca muita gente de morte. quero um tombo bem dado e sangrante. que doa de viver. que machuque de tesão. ...