Elton é chaveiro, mas abre qualquer coisa. Se interessa principalmente pelos tipos de chaves que abrem coisas que não existem mais. Trabalha na mesma esquina desde os cinco anos de idade quando começou a acompanhar o pai, que acompanhou seu próprio pai, que por sua vez acompanhou o pai que também acompanhou aquele que, se dizia, era seu pai. O que fazia daquela esquina um pedaço da sua carne.
Elton John, ariano e vegetariano, assim se chamava porque sua mãe viu um show, fazia muito tempo, na Praça de Espanha, e se apaixonou.
Não pelo Elton (John), mas pelos óculos que usava, pelas roupas brilhantes que vestia, e pela mulher que transbordava daquela pele de homem, assim como das suas calças apertadas e do suor que borrava uma parte de sua maquiagem. Elsa se encantou. Por causa desse tesão repentino, que lhe consumiu as poucas calorias que restavam, a mãe de Elton baixou a própria pressão e se fixou noutros óculos (como uma tábua de salvação). Antes de desmaiar lhe sussurrou um poema sujo e lhe agarrou as bolas, coisa que nunca tinha feito antes. Nove meses e cinco dias depois nascia Elton John de Oliveira.
Seu pai, Fernando, o Oliveira, ainda usa os mesmos óculos, agora com lentes um pouco mais grossas porque está velho e também porque sempre teve dificuldade de ver certas coisas que Elton, por sua vez, sempre viu, com precisão.
Vê, por exemplo, que o pai que usa óculos cada vez mais grossos e conserta chaves cada vez mais complexas começou a esquecer onde deixa as de casa. Esquece também outras coisas tais quais as razões de sua própria vida. Elton também vê que um dia vai acabar substituindo o pai naquela esquina, mas procura não pensar muito nisso, ao contrário. Na maior parte das vezes evita mesmo pensar, o que em geral o leva a pensar ainda mais. Casos em que, quando pode, se refugia no banheiro e toma longos banhos. O ideal é quando consegue sair com os dedos dos pés e das mãos enrugados como um pergaminho. E se não tiver um menino que o acompanhe naquela esquina, a esquina irá acabar?
Elton levou exatamente 5 anos e 10 dias para aprender a amarrar seus sapatos e sabe cantar, no momento, exatamente 27 canções. Também faz as melhores chaves e percebe principalmente as pequenas coisas. Quanto menores, melhor. Naquele dia foi chamado de emergência no plantão. Teve que subir as escadas porque faltava luz no prédio velho, azul e encantador. O porteiro que dormia nos intervalos de cada quarto de hora lhe avisou: quarto andar. Diadora. Quarto de dormir. Andar a toa. Dia de sol. Ama-dora. Achou que era uma brincadeira, mas subiu assim mesmo, lembrando dos jogos de criança, quando amava a escuridão, o que lhe dava grande vantagem.
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