Dez pras seis, atrasada. Skype cinco e meia. Maldito trânsito, maldito uber, maldita reunião. 453650. Open. Odeio sistema de segurança. Odeio o síndico. Odeio a sensação de estar sempre atrasada, correndo atrás de alguma coisa. Respira. Relaxa. Oi, seu Jorge. O elevador tá quebrado? Puta que o pariu. Dezesseis andares. Dane-se, vou subir, seu Jorge, tô atrasada. Porta de incêndio, cheiro de desinfetante barato. Primeiro. Segundo. Terceiro. Roberval esfrega a escada com água sanitária. SMS. Pilates quinta-feira. Quarto, quinto, sexto, sétimo. Que ideia de merda. Para, respira, relaxa, liga o 3G. 15 mensagens. Faltam dez andares. 10 minutos. Décimo terceiro. Respira. Cheira. Desinfetante. Maconha? Dava tudo por um pauzinho agora. Seis e sete. Sabia que tinha um maconheiro nesse prédio, tem maconheiro em qualquer lugar, benzadeus, décimo sexto. Já trepei na escada. A Beth trepa na piscina. E o condomínio enche de cloro. Seis e quinze. 25 minutos, dezesseis andares. Respira muito. Câmera filhadaputa. Síndico filhadaputa. Trepar na piscina pode, né? Velho tarado. Porta de incêndio. O incêndio sou eu. 1601. Chave no fundo da bolsa. Preciso esvaziar a bolsa. Preciso esvaziar a vida. Deixei a luz acesa de novo. Notebook. Login. Lavar o rosto. Ajeitar o cabelo. Preciso cortar o cabelo. Preciso abrir a janela. Preciso me abrir. Login. Bug. Login de novo. Reunião. Cláudio, Beth, Camila e Luís discutem o brifieng. 25 minutos. 16 andares. Tédio. Teresa, do 512, começa a cantar. Acendeu a janela da Laura. A velha ainda não arrastou o móvel. Cinco anos nesse apê. Mês que vem faço 30. Não quero festa. A tarde tá linda. Foda-se a reunião. Eu queria ter a vida daquelas pessoas naqueles apartamentos. Nem que fosse por um minuto. Cadê aquele maço? Caralho, porque eu não paro de fumar? Áudio da Beth. Tela preta. Laura aparece na varanda. Laura é só um nome que dei pra ela. Pra mulher bebendo com a amiga na varanda até de madrugada, com vela, com música. Nesse dia não tinha marido nem filho, só Laura com sua amiga e sua vida de varanda. Sendo feliz à luz da champanhe. Queria um champanhe agora. Queria um trago daquele beque agora. Cinco anos nesse apê. 45 minutos de reunião. Trinta anos de vida. Todo dia. Toda noite. Dia a dia. Escovar os dentes, comer, dormir, acordar, trabalhar, ir e voltar. Como Laura, como a velha, como Antônio, como José. O interfone que nunca toca. O interfone toca. Oi, é a Clara sim, boa noite, do que se trata? Pombo? Aqui não. Posso falar com o senhor em outro momento? Não, não tenho nada a reclamar sobre isso, mas tô no meio de uma reunião. Sim, vou ler a circular. Skype. Uma hora e quinze. Oito e trinta. Queria um trago daquele beque agora, queria um gole daquela champanhe agora, queria a vida de varanda da Laura agora. É quase impossível não olhar. Escape.
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