se sou andarilha é porque me ocorrem coisas enquanto ando.
você já viu crianças com guarda-chuva, crianças de até meio metro? talvez não muito, porque pra elas o guarda chuva não tem função. e quando eventualmente alguém insiste em ensinar a elas como andar segurando um mini toldo em cima, ao invés de deixá-las receberem gotas do céu ou ao menos botar uma capinha poxa vida, elas mal conseguem andar. guarda-chuva é só um objeto de adulto.
sempre me angustia também a quantidade de pessoas no mundo - todas únicas, com suas histórias únicas - e o fato de que sei tão pouco sobre elas. e é tanta vida e tantas coisas que passam por elas e quando sou eu que passo pelas pessoas eu tento desesperadamente encontrar seu olho e captar tudo que cabe nele e aí a pessoa já passou e nem me viu e eu talvez nunca mais a veja, e eu não sei nada sobre ela nem ela sobre mim, mas sei claramente que ela é tão importante quanto eu e todos nós, mas é sempre muita gente e por isso a gente não vê. desejava que todos pudéssemos nos ver e em todas as histórias me dissolver.
quantos egos você já comprou hoje? há uma grande liquidação deles na loja que dita moda. eu sempre odiei ditados. uma professora em pé lendo um negócio que a gente deveria reproduzir em letras e em vez de prestar atenção no texto a gente tinha que correr pra escrever certo e receber uma nota e ser aprovada. competição sórdida.
a prótese em você talvez seja só você, ou o que te há de mais real. coma todos os dias seu bifinho de silicone, ele vale por um peitinho.
as aparências não enganam jamais. elas são só isso. aparências.
e você foi educada e treinada pra buscar por trás, por dentro, no fundo e ao afastar as cortinas e tirar os véus encontra nada.
porque não há intenção possível. só há o que há.
as pessoas tem cachorro e pedem pros empregados passearem com eles. as pessoas tem crianças e pedem pros empregados passearem com elas.
não se guarde da chuva.
se sou andarilha é porque me ocorrem coisas enquanto ando.
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